Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que não sei o nome...

sábado, 27 de março de 2010

Pelos labirintos de Veneza

Em Janeiro passado teve uma audição no conservatório para os papéis adultos da ópera "Il Piccolo Spazzacamino" de Britten (originariamente "The little sweep" traduzido pro italiano) montagem do Teatro La Fenice em Veneza, e eu passei para cantar a personagem Rosa. Uhuuuu!!!
Já no fim de fevereiro começaram alguns ensaios cênicos só com os personagens adultos lá no conservatório mesmo e em março começaram os ensaios em Veneza.
Minha única ida a Veneza tinha sido naquele fatidigo dia em que comprei minha bota de neve.... naquele dia nosso único objetivo era chegar em San Marco e pra isso seguimos a strada nuova (que é uma rua que praticamente vamos eternamente reto) e depois quando começam as ruinhas seguimos as placas para San Marco... não que as placas sejam muito claras em Veneza, mas uma hora a gente acaba chegando em San Marco....mas o que fazer quando vc não vai para um ponto turístico? 
Os únicos meios de transporte em Veneza são seus pés ou o vaporeto (as gôndolas são só passeio.... heheh), mas o vaporeto para não residentes custa 10 euros cada passagem, ou seja inusável.... 
No primeiro dia de ensaio fui com uma colega que já tinha ido uma vez para a escola onde iríamos ensaiar.... descemos na estação de trem e pegamos a strada nuova, nossa primeira dificuldade foi sair da strada nuova, deveríamos virar a esquerda logo depois do supermercado Billa, mas a primeira "rua" que apareceu a esquerda era muito estreita e ela disse que se lembrava de algo mais largo e com um canal..... 
A próxima a esquerda já era mais larga e entramos nela, andamos andamos e de repente a rua que estávamos acabou, para a esquerda nossa única opção era ir a nado pelo canal e a direita começou a ficar cada vez mais estreito e resolvemos perguntar pra alguém que estava passando, estávamos erradas.... voltamos todo o caminho percorrido até o supermercado e aí sim achamos a tal rua a esquerda que não vimos da primeira vez porque estava com uma obra na frente e realmente ficou invisível.... 
Depois da primeira virada certa fomos bem confiantes.....  claro que tudo estava afinando, ruas, canais e pontes eram cada vez mais estreitos.... meu radar de paulistana sentou-se confortavelmente na posição "perigo eminente, fique sempre alerta!" apesar de todos em volta estarem tranquilos e terem me dito que não é nada perigoso.... quando nos demos de cara com parede a frente, rua estranha a esquerda e duas pontes a direita não menos estranhas resolvemos perguntar de novo.... uma senhora muito simpática nos disse que já estávamos perto (pelo menos.... rs) e nos explicou direitinho como chegar lá, mas comprovamos a fama de que os velhinhos de Veneza são ótimos para pedir informação mas depois vc tem que "pagar o preço" da informação e ouvir eles contarem toda a sua vida... hehehhe.... passamos por uma pontezinha que dava direto em um túnel por debaixo de umas casas sem nenhuma iluminação!!!! Meu radar de perigo quase quebrou o ponteiro de tanto espernear.... rs.... e aí finalmente chegamos na escola, o ensaio foi ótimo, conheci as crianças que cantam com a gente (é muito fofo trabalhar com crianças) e voltamos, claro que fazer o caminho de volta é muito mais fácil, mas mesmo assim ficamos muito atentas a tudo, quando chegamos de volta na strada nuova foi um alívio imenso, além do mais porque estávamos com os minutos contados para pegar o trem, senão teríamos que esperar um tempão até o próximo regional. 
No próximo ensaio em Veneza confiante na minha bússola interna fui sozinha e apenas com indicações orais até o Teatro Malibran, o começo era fácil.... strada nouva outra vez... já a próxima indicação me deixou em dúvida várias vezes: "quando acabar a strada nouva vire a esquerda", e como é que eu sei que a strada nouva acabou? Porque não é assim óbvio, não é uma rua constante, sempre no mesmo sentido ou com o mesmo tamanho, ela afunila, depois alarga de novo, é cheia de   pontes... mas quando ela acabou realmente eu tive  certeza que eram só suspeitas as hipóteses anteriores, pois se chega numa praça que sua única chance é virar a direita e passar por uma ponte que dá direto numa marquise... tem uma boa cara de fim mesmo..... hehehe....  fiz todas as viradas indicadas e agora eu tinha que encontrar uma igreja (a qual o nome eu esqueci no mesmo instante que me disseram) e virar depois dela.... o lance é que tem igreja para todos os lados e elas são enfiadas no meio dos predinhos, tudo muito muito muito apertado.
Continuei com muita calma olhando para todos os lados com muita atenção e lugares ainda mais inóspitos apareciam para mim, mas minha bússola é boa e achei a tal igreja, virei depois dela e andando mais um pouco avistei o teatro (também incrustado no meio dos prédios).  
E assim que  me aproximei mais reconheci na porta do teatro o cartaz da ópera, que lindo!! Meu nome tava lá!! Super emocionante!! Mas minha alegria infelizmente não durou muito quando percebi que todas as portas estavam fechadas e que eu não sabia como entrar, liguei pra alguém do elenco e me disseram para dar a volta e entrar por trás do teatro, mas como eu chegava na parte de trás do teatro?? Passei por vários arcos, cheguei numa pracinha e já me sentia bem longe do teatro mas fui indo na direção da parte de trás dele, ai cheguei num canal e minhas opções eram pontezinha (que não me parecia dar na parte de trás do teatro, só se o canal passassem dentro da platéia...) e virar para a esquerda e dar de cara com uma parede, escolhi a parede e um pouco antes de não ter mais nada o que fazer senão pedir resgate achei uma porta escrita portineria e finalmente achei a entrada dos artistas do teatro.
Primeira vez em um teatro é uma emoção única, quando me identifiquei na portaria já me deram o número do meu camarim e como eu não movi um músculo depois dessa informação me explicaram como chegar lá. Conhecer um teatro novo por dentro é sempre uma aventura, primeiro identifico os pontos de sobrevivência, achar os banheiros por exemplo (essencial depois de andar tanto), e as rotas úteis, depois claro começo a explorá-lo quando tenho um tempinho livre. Me acomodei no meu camarim e instantaneamente entrou uma moça para me levar para a prova de figurino. Tava tudo desmontado ainda, mas adorei meu figurino, a estrutura da minha saia é de espuma, super interessante, assim não precisa daquelas mil saias por baixo para ficar armado, nunca usei desse tipo, pena que pude ensaiar com ela já. 
Fomos para o palco e começamos o ensaio, não sei se a platéia estava apagada e depois acenderam ou eu que estava distraída mesmo mapeando todo o cenário na cabeça e ajustando as marcas a ele, mas só no meio de uma cena olhei pra platéia e me dei conta de quão lindo o teatro é, acho que é o mais bonito que já cantei na vida, assim que tive chance fui na platéia admirá-lo e encontrei em cima do palco um retrato da própria Malibran, tudo muito emocionante! 
No dia seguinte de ensaios resolvi dar uma passeada porque cheguei com quase 2 horas de antecedência por conta do horário de trem de Adria para Veneza (claro que de Padova pra Veneza tem trem toda hora, mas vindo de Adria não tem essa fartura de horários, o trem que faz esse trajeto é bem fofinho, só com 3 vagões e vai por dentro do campo mesmo, parando em tudo quanto é estaçãozinha, muito bonitinho, eu aproveitei o percurso de 1.50 h para marmitar, repassar toda a ópera na cabeça, com seus diálogos e marcações e ficar observando a vista, como eu estava sentada no primeiro banco do trem, quando entrava e saia o moço que conferia as passagens eu via toda a cabine e ainda pude acompanhar que em cada estação que parávamos esse moço descia para colocar uma chavinha numa caixinha de metal, minha teoria é que servia para descer as cancelas e bloquear o trânsito até a próxima estação).
Comecei pelo que ficava mais perto do teatro e  fui conhecer o Rialto, que é uma enorme ponte com lojinhas por toda ela com uma vista linda acho que do maior e principal canal de Veneza, sabe aquela imagem de cartão postal? Deve ser tirada dessa ponte, muitos barquinhos passando, restaurantes nas margens e trânsito de gôndolas. Resolvi ir então em San Marco, como daquela primeira vez quando chegamos lá já estava fechado, pretendia entrar dessa vez. 
Cheguei facilmente em San Marco seguindo as placas, como é linda essa praça, dessa vez não chorei, mas a emoção é a mesma, tirei um pouco de fotos e depois de controlar o relógio resolvi encarar a fila para entrar na Basílica, normalmente em Veneza você escuta uma grande diversidade de idiomas pelas ruas mas na fila da Basílica raro foi escutar italiano... heheh.
A Basílica na minha opinião é mais bonita por fora do que por dentro, pelo menos da parte que consegui ver, ela é muito escura dentro e todo o teto que é feito de mosaicos de ouro passa quase desapercebido (sem luz fica bem difícil de enxergar). O que eu achei mais lindo é que ela tem um vitral bem grande na frente que tava entrando o sol naquele momento (um pouco depois do meio-dia) e que iluminava exatamente o altar! Como para visitar as outras partes como tesouro, museu, mirador e etc tinha que pagar (para cada um) fiquei só curtindo a Basílica por dentro e enquanto eu pensava que naquela escuridão tudo o que dava pra fazer era filmar, mas infelizmente (e sem eu entender o porque) é proibido filmar dentro da Basílica, vi um homem que filmava escondido e  dentre muitos idiomas que passavam do meu lado ouvi ele dizendo: "mas eu não posso filmar muito porque aqui eles não deixam filmar", hehehehe, conterrâneos, tivemos a mesma idéia...
Ainda tinha um tempinho, então fui andar pela enorme praça, os cafés são muito fofos, com música instrumental ao vivo, só não consigo entender como as pessoas ficam brincando com os pombos no meio da praça.... será que não sabem que eles são cheios de doenças? 
Comecei meu caminho de volta então para o teatro, primeiro tinha que seguir as placas para Rialto e de lá era fácil voltar, mas de repente cheguei numa pracinha que não tinha nenhuma placa e avistei lá no fundo uma parede com uma flecha indicando para Rialto pixada, segui a indicação e um silêncio muito estranho apareceu, os milhões de turistas tinham desaparecido e eu estava sozinha de volta nas ruinhas....  pedi informação para um gondoleiro e voltei para a multidão, ufa.... cheguei sã e salva no teatro. 
Mais um ensaio muito bom e na volta para a estação uma super surpresa, encontramos o cartaz da ópera colado pelas ruas da cidade. Mega chique!!!!
Nos últimos dias de ensaio e também nas récitas eu me sentia praticamente dominando Veneza, mas era só se distrair um segundo que tinha que voltar e olhar com mais cuidado. 
A ópera foi o maior sucesso! Já era muito emocionante contracenar com as crianças mas com o teatro inteiro lotado de crianças foi mais emocionante ainda, nós do elenco não sabíamos que seria assim, já maquiados e de figurinos prontinhos pra entrar em cena teve um ensaio da orquestra com o público, exatamente como tá escrito na partitura do Britten, como as crianças vieram com suas escolas e já tinham reservado seus ingressos com bastante antecedência aprenderam as 4 canções que o coro canta para cantarem junto e logo no início teve esse ensaio com eles, e durante a ópera era muito emocionante ouvir as vozes vindo da platéia para o palco. 
Fiquei muito feliz de participar dessa montagem e de trabalhar em Veneza, no dia da última récita passeamos de novo por Veneza, pena que foi o único dia que não tava calor, portanto eu estava mal agasalhada pra todo aquele frio e comecei a congelar, fui colocando todos os chales que eu tinha comprado um em cima do outro, até que comprei um moletom escrito "Università Venezia" que finalmente me esquentou.
Voltamos por outro caminho até a estação, visitamos o Teatro La Fenice e andamos pacas por Veneza, vimos a casa onde viveu o Cimarosa, uma outra casa que dizia ter sido onde Mozart passou um carnaval, uma torre totalmente torta (acho que tá afundando.... tipo os prédios de Santos), muitas praças, pontes, canais, e cia.  
Fiquei espantada em saber que da estação de trem até o Teatro Malibran percorremos todos os dias quase 2,5 km em cada trajeto.... como a cidade é toda peatonal não parecia ser tão longe, mas se eu contar o tempo que demorava para chegar lá..... 



Ao acordar hoje meu corpo todo estava dolorido de tanto andar, notei que acabei pegando o resfriado que quase o elenco todo tinha pego (pelo menos peguei depois que acabou, hehe) mas que eu ainda tava com um belo sorriso no rosto e que meu quarto estava adoravelmente perfumado pelas flores que ganhei  ontem.....




4 comentários:

  1. pitinha! como sempre fico chororô com suas postagens.... que emoção!!! eu quero visitar veneza por esse trenzinho que vc falou!!!! e essas flores? se jura, é tulipa?

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  2. Amor, li esta estória e as outras diversas vezes, sempre adorando e estou esperando ansiosamente a próxima! O que será que será? Roma??

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  3. oi, minha Boneca, adorei essa sua postagem..... fiquei com os olhos mareados..... amo vc bjs

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